terça-feira, 14 de julho de 2009

II Festival de Cinema de Paulínia - Dois Eduardos na competição (Moscou; No Meu Lugar)

A noite de ontem talvez tenha sido a melhor desta segunda edição do festival, deixando de lado a morosidade dos outros filmes apresentados e nos colocando duas propostas de cinema no mínimo instigantes.

O primeiro longa exibido foi o novo de Eduardo Coutinho, Moscou, inserido na categoria de documentários, mas que vai muito além do que uma simples rotulação de gênero. É uma obra que verdadeiramente transcende limites, demora a sedimentar. Coutinho parte para filmar os ensaios para a encenação de uma peça de Anton Tcheckov, As Três Irmãs, que por sua vez está sendo dirigida por Enrique Diaz, do grupo teatral Galpão, de Belo Horizonte. Só que o cineasta, aqui, não quer de forma alguma registrar os bastidores, filmar a peça toda, ou imprimir qualquer noção de linearidade narrativa. Partindo de cenas (ou fragmentos delas) praticamente autônomas, Coutinho mistura memórias dos atores e de seus personagens, num espaço cênico que, se claramente é limitado e limitador, paradoxalmente nos joga numa espécie de vácuo, de terra desconhecida, flutuante, sem limites.

E o título é preciso na maneira como alude, simultaneamente, a um lugar (re)conhecido pelo espectador de alguma maneira (que é também onde a peça original está situada), mesmo que numa noção rarefeita, e a outro, próprio do que cada um apreender e construir no pensamento (em que transparece aquele efeito de pensarmos ter estado num lugar que nunca estivemos, ou dito ou vivido algo que nunca vivemos, ao menos no plano do “real”, do “factual”, “verdadeiro” – e as aspas aqui ajudam a entender o quanto são três instâncias que podem ser completamente congruentes).

Assistir a Moscou é uma experiência dura, intensa e por isso tão recompensadora: exaltando a todo o momento a também árdua tarefa de ser ator, de interiorizar sentimentos, de colocá-los para fora quando necessário, de se apropriar de reminiscências que não as suas, Coutinho ao mesmo tempo enobrece sobremaneira o interlocutor. Quem assiste a esse a seu novo filme, se não é atingido em cheio em algum momento, ao menos terá a sensação de que raramente experimentará algo tão único numa tela de cinema.

No Meu Lugar é um filme caloroso e que nos passa a nítida sensação de familiaridade, de que a gama de personagens do filme poderia morar ali ao lado. Intercalando habilmente a história de três núcleos narrativos, a estréia de Valente na direção de longas-metragens nunca esbarra no exibicionismo técnico ou narrativo, apesar da estrutura multiplot já ter gerado tantas deformidades (Babel, Crash – No Limite) quanto preciosidades (Short Cuts, Magnólia). O ponto de partida do filme é um assalto a uma casa num bairro de classe-média do Rio de Janeiro, onde um policial, interpretado com evidente entrega por Márcio Vito, acaba cometendo um crime e é afastado da polícia.

A partir daí, o espectador poderia esperar uma linha narrativa que investisse muito mais no psicologismo e nas tentativas de explicação para o ocorrido através de uma conjugação de acontecimentos do “acaso”, e tantos outros moralismos que acabariam por dar um verniz didático ao filme ao mesmo tempo em que ele desapareceria da memória rapidamente. Felizmente, não é o que ocorre neste caso, muito pelo contrário. Valente deixa seus personagens extrapolarem a estrutura narrativa, e a partir disso é que surgem cenas memoráveis como a conversa do entregador de supermercado Roberto (Raphael Sil) com o tio, ou as interações entre os dois filhos do casal formado pela atriz Dedina Bernardelli e pelo ator Licurgo Spinola. Passadas em três tempos diferentes, as estórias nunca estão uma em função da outra, apesar de haver uma ligação entre elas. E é exatamente por isso que a intensidade emocional permeia toda a narrativa, de maneira muito equilibrada, não apenas convergindo num único ponto do roteiro. Belo filme.

PS: Não sou de tietagem, mas quando Eduardo Coutinho, que tinha acabado de entrar para a segunda sessão, sentou, serenamente, a meu lado, não pude resistir à idéia de puxar uma pequena conversa sobre os dois longas da noite, ao final do filme. Ele ressaltou, rapidamente, o quanto eram filmes difíceis, e respondi que eram exatamente esses que instigam e amadurecem muito melhor com o tempo. Um grande prazer também conhecer Eduardo Valente pessoalmente, antes apenas presente, para mim, virtualmente nos avatares de Orkut e nas críticas da revista Cinética. Parabéns aos dois pelos filmes.

2 comentários:

  1. Que belo relato esse sobre os encontros. Já aguardava encontrar esses filmes antes, agora estou mais instigada ainda.

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  2. Obrigado. Realmente foi daquelas noites muito especiais cinematograficamente falando.

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