sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

As chagas do ofício

Chaga: drama policial furioso de Wyler


Não poderia deixar de escrever sobre esse drama policial cortante de William Wyler, ao qual assisti ontem. Chaga de Fogo (1951), baseado na peça teatral da Broadway escrita por Sidney Kingsley e adaptada por Robert Wyler, irmão do diretor, apresenta a história do policial Jim McLeod, num momento inspiradíssimo de Kirk Douglas, que têm de lidar com os diversos casos que aparecem no 21º Distrito Policial de Nova York, com seu temperamento incisivo e inflexível (e por vezes, furioso). Num deles, que envolve um caso antigo de sua mulher, Mary (Eleanor Park, magnífica) ele demonstra exatamente aquilo que a sua profissão não permite: parcialidade. Com seu impulso em resolver o caso com suas próprias mãos, ele acaba se envolvendo numa série de incidentes que o fazem mergulhar cada vez mais fundo na sua amargura. Contando com um texto brilhante, que trafega da secura à ternura através de seus diálogos e galeria de personagens fascinantes (o ato final, quando Kirk destila sua metáfora sobre a memória, citando uma autópsia na qual o crânio é serrado - e há um corte maravilhoso para o rosto cheio de tristeza de Mary - um dos grandes momentos do Cinema), e com a direção segura e intimista de Wyler - o filme se passa basicamente na delegacia, e seu uso de closes e ângulos baixos é espetacular - Chaga é uma obra marcante, especialmente com seu final explosivo, que nega qualquer tipo de sentimentalismo barato e se mantém fiel ao seu tom amargo e pungente. Destaque também para a fotografia cristalina em preto-e-branco de Lee Garmes, colaborador de diretores como Josef von Sternberg, em O Expresso de Shangai, e Howard Hawks, em Scarface, ambos de 1932. Obra-prima.

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