quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Dois homens que filmam demais

Ontem vi mais um exemplar magnético da obra de Alfred Hitchcock: O Homem Que Sabia Demais, de 1955. Remake do filme homônimo que o próprio Hitch dirigiu na década de 1930, é uma obra que confirma mais uma vez o talento do diretor inglês de nos manter grudados na tela com seu estilo de direção preciso e rigorosamente estruturado. O filme não foge às rédeas de seu condutor um único segundo sequer; o controle que ele tem de cada palavra escrita, de cada transição, movimento e composição de quadro é impressionante. Um exemplo disso é quando o personagem de Daniel Gélin, Louis Bernard, é esfaqueado pelas costas: a câmera o acompanha também de costas, no canto do quadro, enquanto gradualmente ele se aproxima, trôpego, da multidão em Marrakech, em especial do casal McKenna (James Stewart e Doris Day, excelentes). Aí vemos o domínio de cena de Hitchcock, onde olhar de público e de personagem se entrecruzam: nós vemos a faca; Stewart, confuso, apenas observa o comportamento estranho de Bernard, ainda não confirmando sua identidade, mas é quando ele cai de joelhos a seus pés e Dr. McKenna finalmente o reconhece (suas mãos mancham com a maquiagem de disfarce do francês) e retira o objeto do crime de suas costas, após ter ouvido um segredo poderoso, que percebemos o quanto a encenação de Hitchcock é meticulosamente planejada, sem espaço para improvisação. Outro exemplo definitivo é a cena do concerto no Albert Hall, a arma se revelando na cortina vermelha, mais de 10 minutos sem uma única linha de diálogo, apenas a expectativa para o bater de pratos sair das partituras e abafar o barulho de um tiro. Genialidade pura. Aliás, essa cena antológica foi uma das homenageadas recentemente por outro gênio, Martin Scorsese, com igual brilhantismo, num filme comercial dirigido por ele para uma vinícola espanhola (Freixenet) que, arrisco dizer, é uma das melhores coisas lançadas neste ano. Um roteiro falsamente perdido e incompleto de Hitchcock é o mote para este desfile de imagens e homenagens incríveis. O nome é The Key To Reserva, e se torna viciante desde a primeira visita. Vejam e revejam clicando na foto abaixo:

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