terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O Caso de David Fincher

Brad Pitt como Benjamin Button


A obra de David Fincher, ao menos no que tange a seus últimos dois filmes, apresentou uma mudança considerável de registro. E isso, no seu caso, implicou num amadurecimento muito bem-vindo de um diretor que abusava dos efeitos de computação gráfica que chamavam atenção mais para a própria técnica do que pela integração orgânica à narrativa. Em Clube da Luta o recurso funcionou à perfeição na medida em que explorava a confusão de pensamento do personagem de Edward Norton, em suas digressões sobre consumismo e culpa, mas encontrou sua completa ineficiência em Quarto do Pânico, onde o computador entrava em cena apenas para reforçar o vazio, tentar conferir alguma sobrevida a uma narrativa oca e previsível.

Eis então que chega Zodíaco, e qual não é a surpresa ao constatarmos que o CGI está a serviço, majoritariamente, de uma reconstrução de época meticulosa, escondido sutilmente nos cenários, nos detalhes, na luz noturna, nos edifícios de São Francisco. É um filme tanto mais sóbrio quanto poderoso, na medida em que provoca imersão incomum do espectador na obsessão do personagem de Jake Gylenhall por uma descoberta constantemente frustrada. Falar do aspecto técnico nos filmes de Fincher não é, de maneira alguma, uma tentativa de esvaziá-lo de significado, mas sim crucial para entendermos o quanto seu cinema tem se tornado mais maduro (e interessante) quanto menos percebemos suas trucagens – afinal, falamos aqui de um diretor de origem publicitária, que realizou desde comerciais da Coca-cola até clipes premiados da Madonna, obviamente peças audiovisuais cuja linguagem pede que sejam tão rápidas quanto chamativas (excessivas, muitas vezes).

Chegamos então em seu mais novo filme, O Curioso Caso de Benjamin Button, mais um passo de Fincher na tentativa de estabelecer de vez sua sobriedade narrativa. Infelizmente, é preciso deixar claro desde já, o diretor é sabotado por um clipe final constrangedor (como diz Kleber Mendonça Filho, um comercial da Mastercard), mas, ainda bem, não chega a manchar o belo mosaico de imagens construído até ali – o que inclui esquetes em preto-e-branco à moda do cinema mudo, que pontuam a trama com pequenas anedotas sobre um dos personagens do asilo, que teve a sorte de ter sido atingido sete vezes por um raio e ainda assim sobreviver.

No enredo, baseado num conto do norte-americano F. Scott Fitzgerald, Benjamin, interpretado com perícia por Brad Pitt, é abandonado na entrada de um abrigo de idosos pelo seu pai, dono de uma fábrica de botões, que é aterrorizado quando percebe que o filho nasce com a aparência de um senhor de oitenta anos – mas que, à medida que o tempo passa, seu físico rejuvenesce. Um dos grandes méritos do filme é ilustrar essa transformação sem se tornar episódico – uma armadilha aberta pelo roteiro de Eric Roth que é contornada com habilidade por Fincher, e é exatamente nesse ponto que percebemos o quanto o CGI é usado em conjunto com a maquiagem de maneira sutil e orgânica.

Fincher aqui se mostra um esteta acima de tudo, o que talvez explique o quanto o filme é um tanto frio e distante emocionalmente (até a música de Alexandre Desplat é sutil nesse ponto, sem a orquestração excessiva que faz a platéia sucumbir ao choro), e cena-chave é o jantar, caviar e vodca, entre Pitt e Tilda Swinton, muito bem escrita e inegavelmente melancólica, mas que nas mãos de um Spielberg ou Ron Howard (dois diretores que estavam ligados ao projeto) talvez evidenciasse uma característica melodramática que Fincher não deixa transparecer.

Aliás, esse distanciamento faz bem ao fime na medida em que ele se mostra anticlimático, cíclico – e a mudança do ponto-de-vista narrativo, ao final, ressalta esse aspecto. Benjamin sempre estará preso num corpo incompatível, conflitante com sua personalidade e pensamentos – e o seu ponto de equilíbrio vem justamente quando ele e Daisy, interpretada pela estonteante Cate Blanchett, se olham no espelho, ambos na única idade em podem se equiparar física e mentalmente, num momento que, mais uma vez, Fincher nega o melodrama e reafirma sua concisão narrativa. É um filme, afinal, estranho dentro da mecânica de Hollywood, que forja as lágrimas dentro de uma estrutura fílmica que, na maior parte dos casos, é frouxa, insustentável.

Enfim, apesar dos minutos finais, temos um filme comprometido bem mais com a reflexão que sua trama traz do que com as lágrimas que ela poderia gerar. E isso, dentro de uma produção de US$ 150 milhões, não é nada menos que louvável. Fincher pode não ter realizado sua obra-prima, mas conseguiu ser, num drama dessa proporção, incrivelmente sutil.

David Fincher

Um comentário:

  1. Murilo, concordo com sua opinião. O filme é contido e frio, mas não deixa de emocionar e fazer a gente refletir. A sua crítica de O Encurralado já tá postada lá no Cinemaníaco. Abs e se puder escreva mais!

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