quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Hitchcock, por Truffaut


Que livro precioso, ou melhor, que documento fascinante é Hitchcock/Truffaut: Entrevistas. Truffaut, na tripla função de crítico, cineasta e fã ardoroso, conduz uma conversa que, ao contrário da rigidez e da formalidade de qualquer biografia, desvenda com fluidez impressionante o estilo, a técnica e os medos desse que foi um dos grandes mestres do ritmo e do suspense como chave dramática para qualquer enredo cinematográfico.

A entrevista começa séria e se desenrola a ponto de parecermos um espectador de uma longa conversa de bar, entre duas pessoas que se viam apenas pelos filmes um do outro e que finamente lhes é chegada a oportunidade de conversar fervorosamente sobre as experiências, os entraves que se desenham dentro do processo cinematográfico. O livro não tem a intenção apenas de revelar ao público o quanto do próprio Hitchcock se escondia nas entrelinhas de seus filmes, nos seus protagonistas em constante perigo, carregando uma culpa que não é deles. A entrevista feita por François Truffaut desvenda, através da análise da obra de seu interlocutor filme a filme, o quanto o cineasta inglês tinha repulsa pela idéia de se copiar na obra seguinte – mas, paradoxalmente, construiu uma obra plenamente reconhecível em poucos segundos, sólida e fortemente estilizada. Ele mesmo, num tom autocrítico, descreve os filmes de que não tem muito apreço da seguinte maneira: “Este aqui não era um autêntico Hitchcock picture”.

Essa espécie de rótulo que ele mesmo se impôs o impediu, mesmo inconscientemente (como ele próprio também confessa durante o livro), de levar adiante outro tipo de proposta de cinema, apesar de seus constantes experimentos, como aquele que se tornou notório em Festim Diabólico, quando o filmou todo em plano-seqûencia, apenas com as pausas para troca de rolo – a peça em que ele era baseado também se desenrolava em tempo real, durante um período do dia. São notáveis algumas das idéias, para cenas ou mesmo filmes inteiros, que Hitchcock descreve, mas que por alguma razão deixou-as de fora da versão final (quando as cenas foram de fato realizadas) ou mesmo se recuou diante de um orçamento ou mesmo de sua própria ambição – são sintomáticas, ou mesmo apaixonantes para nós, como cinéfilos e espectadores, as passagens em que o diretor de Psicose fala da cena na linha de montagem da Ford, ou mesmo de seu projeto de longa que ele denominava “um grande movimento cíclico”, que abordaria as vinte e quatro horas do dia, cheio de incidentes e pequenos atos.

É um livro que nos faz querer passar dias inteiros seguidos vendo, ou mesmo revisitando toda a obra de Alfred Hitchcock em busca de detalhes, a espreita de algum movimento ou de algum olhar que não havíamos percebido ou mesmo compreendido no contexto de alguma cena. Há algo de contagiante na maneira empolgada com que o lemos descrever os meandros de sua técnica, as sutilezas de um diálogo, a decupagem, sempre com o objetivo de jogar com o público-espectador, sempre a desafiá-lo – e, quando consegue vencer esse jogo, essa conquista lhe parece o aspecto mais gratificante na vida de um diretor de cinema, que conseguiu manter quem assiste absorto, envolvido, surpreendido, manipulado e, por fim, plenamente satisfeito com o que viu.

Parafraseando Truffaut nos parágrafos finais, este é um livro que intensifica o cinema, a vida e o espectador com tal magnetismo que é impossível largá-lo quando começamos a ler a primeira pergunta. Ouro puro, enfim.

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