quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona - e Woody Allen


Woody Allen, com seu regime de produção de um filme por ano desde a década de 1970, nos surpreende sempre com esse seu método de trabalho. E é exatamente a irregularidade surgida da sua prática intensa que nos faz acompanhá-lo sempre com grande interesse. E uma das razões para isso é o seu texto, que mesmo quando serve a filmes completamente insossos como Scoop e Sonho de Cassandra, é um artigo de rara qualidade dentro do marasmo da indústria.

O piadista do Brooklin, como ele se auto-define, maneja as palavras com incrível habilidade e fluidez. Seu texto corre pela tela de maneira muito solta, leve, e suas frases carregam consigo a sutileza de um humor que passa longe do escracho, mas é auto-reflexivo o suficiente para estabelecer uma forte ligação das neuroses de seu autor com as do espectador. E isso ele alcança com sucesso, pois queira-se ou não sempre estamos assistindo a um filme seu com um sorriso no canto da boca, mesmo quando o humor não esteja explicitado pelos diálogos, mas pelas situações. Mesmo em suas incursões recentes pelo suspense, em Cassandra e Match Point, onde aparentemente as risadas não tinham lugar cativo no roteiro (até tinham, mas em doses homeopáticas, digamos), elas se revelavam na medida em que o baixinho nova-iorquino ironizava o destino de seus personagens, que se afundavam na própria hipocrisia - como no caso dos irmãos em Cassandra e no triângulo amoroso de Match Point.

Até que chegamos a Vicky Cristina Barcelona, a mais recente obra de Allen em que ele volta para sua verve cômica, mas que não deixa de lado essa reflexão um tanto quanto desiludida – mas não trágica - sobre o destino. A aventura romântica que ele retrata aqui, não mais em triângulo, mas num quadrado amoroso, é bastante apropriada para mais uma mudança de ares em seu cinema: da Inglaterra diretamente para Barcelona, Espanha, terra cuja atmosfera de sexualidade intensa Allen investiga com um olhar de turista que quase escapa para a caricatura, mas que se mantém apropriado graças ao desenvolvimento da narrativa e de suas atrizes americanas (as estonteantes Rebecca Hall e Scarlett Johansson) que vão passear pela Europa.

O filme passa voando com um Javier Bardem sensacional na pele de um pintor galanteador que chega a ser acusado pela ex-mulher de temperamento suicida – e também pintora (Penélope Cruz, em versão Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos) - de ter roubado seu estilo. Todas as discussões, claro, misturam o espanhol nativo dos dois com o inglês – em diálogos que revelam algumas das melhores piadas do filme.

Vicky Cristina Barcelona, na verdade, é um fluxo de pessoas (amantes) se entrecruzando, mas sem o menor compromisso com artimanhas de roteiro, que burlariam qualquer graça e prazer que o filme expressa e nos faz sentir como espectador. Talvez esse mecanicismo da escrita seja uma das razões do marasmo criativo por que passam as tais comédias românticas de hoje. E Allen, com sua desenvoltura sem tamanho, supera isso com os pés nas costas.


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