quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ninguém é burro de graça


Segundo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen a estrear neste ano no Brasil depois da obra-prima Onde Os Fracos Não Têm Vez, uma desconstrução do western – e do filme de ação tradicional, por conseqüência -, Queime Depois de Ler é a obra em que os diretores retornam com toda energia criativa a uma de suas melhores armas, que é o senso afiado de sarcasmo e humor-negro, para novamente implodir com as regras de outro (sub)gênero, o dos filmes de espionagem.

O roteiro segue um agente da CIA, Osbourne Cox, (John Malkovich) recém-demitido por seus “problemas com bebida”, que resolve registrar suas mágoas num livro de memórias. Armazenado num CD, é encontrado por uma peculiar dupla de instrutores de academia (Brad Pitt e Frances McDormand), os quais não hesitam em tentar fazer chantagem e dinheiro com o suposto tesouro que têm em mãos.

O CD é uma das melhores sacadas do filme, uma subversão do McGuffin que Alfred Hitchcock bem definiu como o artifício que leva a ação de um filme adiante. Os Coen, cientes disso desde a opção por satirizar o estilo do cinema de espionagem, nos rápidos zooms e na trilha sonora habilmente hiperbólica (as notas graves de bumbos que tão comumente se ouvem em filmes de suspense para sublinhar momentos de maior dramaticidade, aqui se rearranjam no que mais se parece com uma bateria de escola de samba), acabam por levar seus personagens a cometerem sandices inomináveis em busca de uma recompensa por algo que eles nem mesmo sabem exatamente o que é.

Uma das coisas, creio, que mais surpreende o espectador que vai assistir ao filme sem ter consciência do estilo empregado nos longas-metragens anteriores dos cineastas – que, sem dúvida, constituem uma obra de grande solidez e coerência -, é o emprego da violência gráfica como resultado inexorável da idiotice ou, para ser mais ameno, do impensado. Não é o tipo de comédia de redenção, de transformação da personalidade pelo erro. Aqui (e, numa visão macro, em toda a obra Coen), o erro não se torna aprendizado; ele é, na maioria das vezes, fatal. E isso, de maneira alguma, deixa de ser (cruelmente) engraçado, já que de fato ninguém é burro de graça – toda imbecilidade, em maior ou menor grau, tem seu preço.

Os coadjuvantes, como de hábito, também brilham em algumas participações minúsculas - o jogo de linguagem de Manolo, funcionário que acha o CD na academia, é sensacional: "I found it on the floor there. Right there on the floor there. Just lying there."

E o que coroa isso tudo (além da inesperada e hilária visita do casal à embaixada russa!), numa síntese mordaz da banalidade e da falta de discernimento da sociedade de hoje, é J.K. Simmons, num diálogo com seu subordinado na CIA em que discorrem sobre os destinos e as motivações de todo o arco de personagens e suas relações hilariamente intricadas. “Estou fodido se souber o que fizemos!”, exclama. Às vezes é melhor esconder tudo debaixo do tapete – uma lógica certeira e simbólica do Brasil (e não só dele), hoje e sempre. Pode não ter sido a intenção dos Coen fazerem um filme político – mas acertaram nesse alvo, e com louvor.


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