sábado, 8 de janeiro de 2011

Sinfonia do olhar

Clint Eastwood não é o mestre que é à toa. Além da Vida, que entrou em cartaz na última sexta, é mais um exemplar da mágica que um diretor da sua estirpe extrai quando respeita os silêncios de um filme.

Aqui Matt Damon é George Lonegan, um vidente renegado, que ainda realiza algumas sessões por pressão do irmão. E é um alívio que a materialização dessas visões não apelem para obviedades como cores berrantes, pessoas vestidas de branco e portais do tempo. Clint nos deixa ver apenas os vultos, e intensifica seus esforços no diálogo e nos olhares.

São os olhos de Bryce Dallas Howard que parecem tomar todo o filme quando ela surge em cena na aula de culinária, uma seqüência de carpintaria emocional impressionante. Ela se envolve com o personagem de Damon, que vê no curso e no emprego de operário uma maneira de expulsar os fantasmas que o perseguem na mente e no mundo real.

E é no semblante igualmente melancólico de Marie LeLay (Cécile De France) que o diretor de Gran Torino estabelece a pedra fundamental da segunda história, de uma jornalista francesa abalada pela experiência surreal que vive ao ser uma das vítimas do tsunami de 2004, numa recriação crua da tragédia que abalou o sudeste asiático há sete anos. Clint parece se apaixonar novamente por esse outro par de belos olhos, evidenciado por closes generosos, como no segmento em que ela está completamente absorta apresentando um programa jornalístico.

Esse dom de explorar o olhar dos atores (herdado por Eastwood de seu grande mentor Sergio Leone e refinado durante quarenta anos de direção) é reforçado quando somos apresentados ao terceiro elo do roteiro, envolvendo uma tragédia na família de dois irmãos gêmeos. É tocante o silêncio quando os dois retornam ao quarto depois de verem, do topo da escada, a mãe chegar cambaleando, alterada. A tristeza na expressão dos dois permeia todo o filme, sempre discreta e doída.

Enfim, mais um bela sinfonia de olhares de Clint Eastwood.

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