quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Cães brancos



(Aviso: O texto a seguir revela trechos importantes dos filmes discutidos)

Interessante quando duas perspectivas cinematográficas completamente distintas se chocam num único dia. No último final de semana, tive a oportunidade de assistir a dois filmes que não poderiam ser mais contrastantes em suas propostas: Marley e Eu, de David Frankel, e Cão Branco, de Samuel Fuller. Por vias bem distintas, ambos tratam, a grosso modo, dos laços afetivos entre um cachorro e seu proprietário, e as conseqüências que essa convivência traz à vida do dono do animal. Frankel realiza um filme cuja decupagem e roteiro calculados seguem com devoção (e obviedade) os princípios do “filme-família”, popularizado principalmente pela Disney (o filme é da Fox). Desde a abertura, com Shiny Happy People na trilha sonora, o filme já diz a que veio. Nível de açúcar elevado ao cubo, à beira do irritante numa das cenas finais, do garoto assistindo às gravações do cachorro presente nos momentos alegres da família – no que pareceu uma clara imposição da Pedigree, marca de ração que patrocina o filme. Impressionante como o filme provocou uma reação em cadeia bizarra de choro e rostos vermelhos ao final da projeção – o que me faz lembrar de algo que Joel Coen disse certa vez, que odiava quando as pessoas choravam em filmes, e que era desconcertante para ele, enquanto assistia a um péssimo filme, ouvir as pessoas à sua volta assoando o nariz. É mais ou menos o que acontece aqui: uma catarse coletiva de lágrimas por nada. Claro que, a rigor, todo filme é uma manipulação da emoção, do olhar, feita pelo diretor. Mas em Marley e Eu manipula-se da forma mais rasteira possível – o que não se pode falar de Fuller, na outra ponta dessa estrutura.

Fuller em nenhum momento se mantém impassível, sua direção é sempre virtuosa, com o uso de super closes, câmera lenta, tomadas aéreas imponentes e arroubos de estilo impressionantes, como o ataque cuidadosamente orquestrado do cão a um homem negro dentro de uma igreja – a câmera desvia-se do centro da ação para um travelling que passa pelas imagens dos santos e culmina no vitral que remete à figura do pastor-alemão. A morte ocorre fora do quadro, à vista de todos os santos, como um sacrifício – e aí que reside toda a força de Fuller: o potencial dramático da cena é elevado às alturas, o contra plano do cão, ensangüentado e raivoso deixando o local, confere ao filme uma dimensão simbólica jamais encontrada num filme como o de Frankel, que apenas rechaça a imagem batida e constantemente reprocessada do animal brincalhão que acaba virando o elo mais importante da família. Fuller não deixa de manipular, mas ele recusa este tipo de identificação forçada com o animal, uma simpatia fajuta do espectador para com sua graciosidade. Claro que o cão, no filme do autor de obras-primas como O Beijo Amargo e Shock Corridor, não é o demônio reencarnado, afinal ele age condicionado àquele tipo de preconceito. Sua ferocidade aumenta conforme aquilo que lhe é imposto ou retirado por um adestrador. E o filme se torna ainda mais amargo e crítico do preconceito enraizado, nesse caso alfinetando com louvor a cultura estadunidense (os dardos jogados contra um pôster de R2D2 é emblemático), a partir do momento que o animal acaba por atacar e matar não seu treinador negro, mas sim o dono do recinto onde ele é readestrado, na cena final – a sua fúria só mudou de direção. E seu inevitável abate, com dois tiros no pescoço, e a imagem do cão estirado, morto, indefeso no chão que encerra o filme, é mais que suficiente para nos deixar a marca indelével de uma obra-prima. O labrador de Frankel morre como um príncipe; já o pastor-alemão de Fuller, como um moribundo. E, nesse caso, o moribundo é bem mais instigante.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Blaxploitation Mambo

Curioso quando dois conceitos se juntam sem motivo. Hoje, por circustâncias inexplicáveis, me veio à mente essa mistura, como um pára-quedas. Em que poderia resultar? Só sei que, pela sonoridade absolutamente incrível que as duas palavras produzem, bem poderia sair daí o título de um futuro musical dirigido por Quentin Tarantino - o que me inspirou a fazer essa arte bizarra. O que mais poderia sair dessa fusão? Algum remake de Rififi no Harlem? A questão está lançada!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Os bastidores das vinhetas de Hollywood

Interessante e curioso artigo sobre a história das logomarcas/vinhetas animadas dos estúdios de Hollywood. Desde o garoto pescador da Dreamworks, até a muher com a tocha, da Columbia e os leões da MGM. O escudo que representava a produtora dos quatro irmãos judeus fundadores da Warner Bros. foi o que mais sofreu nas reformulações. A abertura de Barry Lyndon, em que o "W" formado por três listras atravessa a tela, contrasta com o escudo dourado tridimensional adotado a partir da metade da década de 1980, usado em Nascido Para Matar, por exemplo.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O Dia em Que a Terra Parou e o Eco Bullshit


Prestes a ser lançado nos próximo mês, com Keanu Reeves no papel do extraterrestre Klaatu (que foi de Michael Rennie no original), O Dia Em Que A Terra Parou, o clássico de 1951, de Robert Wise, é um filme de discurso intensamente diplomático e que marcou fortemente sua época – o pós-guerra que dava início a um grande temor de que um conflito atômico faria com que o mundo voltasse ao pó.

Robert Wise, conhecido por sua meticulosidade como editor de filmes mais que consagrados como Cidadão Kane, de Orson Welles, e O Corcunda de Notre Dame, de William Dieterle, conduz a história de maneira rápida e seca, não deixando muito espaço para o suspense. Já iniciamos com a descoberta de um invasor desconhecido nos céus de Washington D.C. – e todo o alerta de rádios e governos para o que está por vir.

Se antes a preocupação básica de um filme como esse era genuína por alertar para um período em que poderia haver ainda mais destruição e morte, da maneira mais brutal e insana que se poderia imaginar numa guerra nuclear, o remake que chega em janeiro aos cinemas já parece surgir defasado, ao menos em sua questão temática - o cenário do pós-guerra dará lugar à degradação ambiental. Não que a moda do enviromentalism, a preocupação ecológica que agora transborda no discurso de qualquer político ou empresário tenha passado – apesar de que, como moda, não vai demorar tanto tempo para que caia no esquecimento.

No novo filme de Scott Derrickson (que fez o razoável O Exorcismo de Emily Rose) Gort, de acordo com a sinopse no IMDb, vai deixar de ser um ator fantasiado de robô indestrutível e virar CGI. O problema é que, numa época em que Shyamalan fez de sua ameaça biológica algo assustador porque invisível, em Fim dos Tempos, e que os alertas eram produzidos pela própria natureza, a simples presença de uma dupla que serve de intimidação (robô) e discurso diplomático (Klaatu) viajar milhares de quilômetros justamente no intuito de fazer um alerta para a destruição da Terra (pelo aquecimento global?), soa terrivelmente datado – hoje não existe a limitação de informação pela carência tecnológica da década de 1950, e a hipocrisia impera e se alastra de forma alarmante justamente pelo excesso de discurso e da falta de ação.

George Carlin, um dos maiores e mais ácidos comediantes dos E.U.A, falecido em junho passado, satirizou toda esse circo que se faz em torno da sustentabilidade ecológica. Parafraseando-o, ele diz que o planeta agüentou furacões, tempestades, eras glaciais e terremotos por seis bilhões de anos, e não é a raça humana, que se industrializou há pouco mais de duzentos, que vai conseguir destruí-lo. O Klaatu atualizado por Reeves talvez soe como um Al Gore (cujo Uma Verdade Inconveniente, em DVD, vinha embalado num deplorável estojo de papel reciclado, mas mesmo assim continuava a R$ 40) e, tudo bem, o filme deve ser pouco mais que uma apresentação de slides. Mas todo esse eco bullshit não ajuda muito a elevar as expectativas. Veremos.

George Carlin

sábado, 6 de dezembro de 2008

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Pílluas Python (1)

Há pouco mais de duas semanas atrás, o hilário grupo de humor inglês Monty Python lançou seu próprio canal de vídeos no YouTube, conclamando os "youtubers" num vídeo de introdução muito bem-humorado a comprarem seus DVDs, depois de tantos anos publicando suas esquetes em vídeos de qualidade muito pobre - "For 3 years you YouTubers have been ripping us off... ". Uma das esquetes mais engraçadas é essa do genial John Cleese representando o "Ministry of Silly Walks", com sua forma muito excêntrica e absurdamente engraçada de caminhar:

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ninguém é burro de graça


Segundo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen a estrear neste ano no Brasil depois da obra-prima Onde Os Fracos Não Têm Vez, uma desconstrução do western – e do filme de ação tradicional, por conseqüência -, Queime Depois de Ler é a obra em que os diretores retornam com toda energia criativa a uma de suas melhores armas, que é o senso afiado de sarcasmo e humor-negro, para novamente implodir com as regras de outro (sub)gênero, o dos filmes de espionagem.

O roteiro segue um agente da CIA, Osbourne Cox, (John Malkovich) recém-demitido por seus “problemas com bebida”, que resolve registrar suas mágoas num livro de memórias. Armazenado num CD, é encontrado por uma peculiar dupla de instrutores de academia (Brad Pitt e Frances McDormand), os quais não hesitam em tentar fazer chantagem e dinheiro com o suposto tesouro que têm em mãos.

O CD é uma das melhores sacadas do filme, uma subversão do McGuffin que Alfred Hitchcock bem definiu como o artifício que leva a ação de um filme adiante. Os Coen, cientes disso desde a opção por satirizar o estilo do cinema de espionagem, nos rápidos zooms e na trilha sonora habilmente hiperbólica (as notas graves de bumbos que tão comumente se ouvem em filmes de suspense para sublinhar momentos de maior dramaticidade, aqui se rearranjam no que mais se parece com uma bateria de escola de samba), acabam por levar seus personagens a cometerem sandices inomináveis em busca de uma recompensa por algo que eles nem mesmo sabem exatamente o que é.

Uma das coisas, creio, que mais surpreende o espectador que vai assistir ao filme sem ter consciência do estilo empregado nos longas-metragens anteriores dos cineastas – que, sem dúvida, constituem uma obra de grande solidez e coerência -, é o emprego da violência gráfica como resultado inexorável da idiotice ou, para ser mais ameno, do impensado. Não é o tipo de comédia de redenção, de transformação da personalidade pelo erro. Aqui (e, numa visão macro, em toda a obra Coen), o erro não se torna aprendizado; ele é, na maioria das vezes, fatal. E isso, de maneira alguma, deixa de ser (cruelmente) engraçado, já que de fato ninguém é burro de graça – toda imbecilidade, em maior ou menor grau, tem seu preço.

Os coadjuvantes, como de hábito, também brilham em algumas participações minúsculas - o jogo de linguagem de Manolo, funcionário que acha o CD na academia, é sensacional: "I found it on the floor there. Right there on the floor there. Just lying there."

E o que coroa isso tudo (além da inesperada e hilária visita do casal à embaixada russa!), numa síntese mordaz da banalidade e da falta de discernimento da sociedade de hoje, é J.K. Simmons, num diálogo com seu subordinado na CIA em que discorrem sobre os destinos e as motivações de todo o arco de personagens e suas relações hilariamente intricadas. “Estou fodido se souber o que fizemos!”, exclama. Às vezes é melhor esconder tudo debaixo do tapete – uma lógica certeira e simbólica do Brasil (e não só dele), hoje e sempre. Pode não ter sido a intenção dos Coen fazerem um filme político – mas acertaram nesse alvo, e com louvor.