Impressionante como alguns cineastas têm a capacidade quase que sobrenatural de desprover sua imagem de qualquer atributo referencial e transportá-la a um universo particular onde fica em constante estado de sublimação e imersão. Kubrick foi assim, especialmente em 2001 e Barry Lyndon. Claro, tínhamos as "referências": o deserto e o espaço, e a Inglaterra do século XVIII, respectivamente. Mas elas se perdem, em determinados momentos de cada obra, para dar lugar ao completo estado imersão pela qual, a essa altura, nós espectadores já fomos completamente tomados. Perdemos a capacidade de construir associações costumeiras entre lugares, pessoas ou estados de espírito, quando normalmente nos expomos à imagem cinematográfica. Isso me veio quando vi, em seguida, três obras seminais de Werner Herzog (e de todo o Cinema): Aguirre - A Cólera dos deuses; Nosferatu - O Vampiro da Noite e Fitzcarraldo. Como em Kubrick, são obras que levam o espectador a outro nível de percepção audiovisual: quando nos deparamos com um barco a vapor de 300 toneladas sendo içado morro acima, na Amazônia peruana (taí outra referência que rapidamente dá lugar ao "imersivo"), sentimos que aquilo ultrapassa qualquer noção pré-estabelecida do que é preparar, filmar ou mesmo, "receber" uma imagem como aquela. Engraçado que o próprio Herzog, gênio que é, declara num dos documentários que acompanham o DVD de Aguirre que a nossa percepção do filme não pode ser afetada pelos aspectos extrínsecos do mesmo: se levássemos em conta todo o trabalho hercúleo de elaborar uma cena como a descrita, ou mesmo os constantes e intensos conflitos de Klaus Kinski (ator com talento maior que o mundo) com o diretor e a equipe, nossa visão daquilo que presenciamos na tela seria outra; em outras palavras, Herzog diz que o filme tem de se bastar como filme, como o resultado da conjunção imagem-som, e tirar daí sua força. Mas é impossível. O que Herzog, assim como Kubrick, nos causa, é aquela sensação de estar preso ao filme, assim como ao seu histórico, e ao fascínio da descoberta de todo seu processo de produção e formação. Enfim, os filmes de ambos, ao privilegiarem o imersivo em detrimento do referencial, se tornam, paradoxalmente, referências artísticas atemporais.
Eu não sei se sou apenas eu, mas percebo tb essas características visuais que você mencionou na cinematografia do Terrence Mallick, que para mim é outro gênio que completa essa trilogia da imagem.
ResponderExcluirSaudações cinéfilas.
Nossa, bem lembrado! Mallick também está a altura deles, sempre construindo aquelas imagens hipnóticas.
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