sábado, 26 de abril de 2008

Algumas pérolas

Acabo de ver o Como Era Verde Meu Vale (1941), e mais uma vez fiquei estupefato com a mão de John Ford para um melodrama que realmente se despe de qualquer artifício maniqueísta para prender o público às suas belíssimas imagens, trabalho primoroso do fotógrafo Arthur Miller. As atuações de Donad Crisp, Maureen O´Hara, Walter Pidgeon e do garotinho Roddy McDowall são contidas e, exatamente por isso encantadoras. Mais uma vez me lembrei de Sangue Negro, no drama dos trabalhadores de uma mina de carvão - e as internas deste ambiente mostram decupagem primorosa, como na cena em que a câmera acompanha o garoto empurrando um carrinho de carvão. É um drama familiar, contado em flashback de forma brihante pelo garotinho Huw (McDowall), que descreve suas memórias dos 50 anos que passou no vilarejo - a primeira cena já impressiona pela riqueza de significado, com um movimento de câmera que começa com o personagem de McDowall empacotando suas coisas e vai em direção à janela, num belíssimo plano, semelhante ao que se tornaria marca registrada de Ford em Rastros de Ódio, com Ethan Edwards, personagem de John Wayne, em frente à sua casa, ao final do filme, quando dá as costas e vai embora.

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Outra pérola é Desafio à Corrupção (1961), lançado recentemente numa edição sensacional pela Fox, em DVD Duplo. Aqui Paul Newman e George C. Scott brilham sob a batuta do grande Robert Rossen, que faz dos salões de sinuca verdadeiros palcos de onde surgem conflitos explosivos. As jogadas são realçadas de forma genial pela montadora Dede Allen, responsável por injetar frescor, ritmo e estilo inconfundíveis na edição de marcos dos anos 60 como Butch Cassidy e este e, nos anos 70, sua parceria com o diretor Sidney Lumet rendeu duas jóias: Serpico e Um Dia de Cão, ambos estrelados pelo grande Al Pacino.

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Outro Paul Newman brilhante está em O Indomado (1963), de outro diretor minucioso, Martin Ritt. Aliás, é um filme que contém uma das cenas mais arrebatadoras já filmadas: o abate do rebanho do personagem de Melvyn Douglas, indefectível como pai de Hud Bannon (Newman). É o tipo de filme que deixa o espectador atônito pela sua construção milimétrica, tanto na estética impecável quanto em sua narrativa, um primor de desenvolvimento de personagem. A batida de porta ao final (ou melhor, toda a cena) é perfeita, sela com precisão a ambigüidade de caráter de Hud - o tipo de "homem sem princípios", o canalha que conquista pela sua lábia e simpatia; um tipo de personagem que se tornou recorrente no cinema americano. Bela luz do chinês James Wong Howe, o mesmo de A Embiaguez do Sucesso.

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Scorsese brilha em No Direction Home (2005), na sua habilidade inigualável de juntar 4 horas de entrevistas e imagens de arquivo sobre a vida de Bob Dylan num documentário de vivacidade incrível - mesmo Dylan sendo por si só uma verdadeira máquina de transformação (ou melhor, transição), o que o transformou num ícone, com sua voz esganiçada e suas composições que público e crítica insistiam ser atreladas a algum tipo de engajamento político - e que ele negava com a maior naturalidade do mundo. Scorsa monta um painel amplo sobre sua persona e todo o cenário musical que o rodeava, os festivais folk, as entrevistas (onde chegavam até a perguntar a filosofia por trás das camisetas que ele usava nos shows), raras cenas de bastidores e, pessoalmente, um dos momentos-chave ocorre quando Bob, na rua, começa a fazer um jogo de montar frase/refrões musicais com as palavras das placas que observa. Imperdível.

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