Difícil não falar sobre uma obra que reúne Brian De Palma e Bernard Herrmann. Dois grandes ícones da cinematografia do mundo se juntam como na representação de uma única figura, a quem devem, respectivamente, a reverência e o impulso referencial e uma longa parceria de trabalho que culminou na construção de uma das filmografias mais sólidas e mais estudadas de todos os tempos – a de Alfred Hitchcock. E o filme em questão é Sisters (1973), ou Irmãs Diabólicas por aqui.
De Palma herdou de Hitchcock a habilidade da cadência, do ritmo em que o medo crescia não apenas como um artifício de gênero, mas como motor principal da narrativa. Não há drama sem a expectativa, e o que De Palma faz é imprimir o receio a cada plano geral que liga uma cena a outra, a cada conversa (como a que ocorre no carro, em que a personagem de Jennifer Salt se mantém fitando o vazio enquanto sua mãe fala sem parar) e em cada olhar. Detratores dizem que De Palma é apenas um pastiche do mestre inglês – como se isso, aliás, fosse pouca coisa: quem dera houvesse mais cineastas com tanto talento para capturar o modus operandi de um diretor e imprimir à sua obra com a mesma carga de reverência (e referência) e autoralidade.
Ambos os diretores colocam o espectador numa posição crucial, não apenas como mero observador da situação, mas como uma entidade que reflete os anseios dos personagens – o enfoque é no rapaz acusado injustamente ao invés do bandido fugitivo; na jornalista que demonstra sua fragilidade ao não conseguir provar o que viu, e não no detetive que conduz a investigação oficial. Enfim, parece até óbvio dizer que De Palma e Hitchcock são dois dos cineastas que mais habilmente souberam levar o público em consideração na realização de seus filmes, seja na forma como modulam o suspense, ou na maneira como, enfim, concretizam o temor, a angústia da espera.
De Palma não é a imitação, mas a reconfiguração de uma linguagem, um cineasta que soube aproveitar como nunca seu rótulo de “Hitchcock cover” para impor a seu cinema uma nova maneira de observar o mundo a partir, principalmente, da vulgarização e banalização da violência, do atrevimento, características que Hitchcock deixava sempre implícitas, muitas das vezes em decorrência da censura, mas que o fazia com maestria nas entrelinhas dos diálogos, nos jogos de olhar, nos ângulos precisos de câmera.
Em Sisters, por exemplo, há uma cena-chave que representa a diferença de visão dos dois cineastas: Philip Woode, o personagem de Lisle Wilson chega com o bolo na casa de Danielle e, vendo a moça na cama, como se estivesse num sono profundo, corre para a cozinha desembalar o bolo para lhe fazer uma surpresa. De Palma nos mostra o plano-detalhe da maleta em que ele pega a faca para levar até a garota, e no momento em que agacha para revelar o presente, faca e bolo na mão, é surpreendido por ela, que acorda como um monstro, toma a faca de sua mão, e lhe apunhala várias vezes até a morte – e depois seu corpo é escondido dentro do sofá. A maleta é a mesma que contém o cutelo que, ao final, se revelará num flashback de Danielle no hospício, sob efeito de hipnose - um símbolo da separação dela de sua irmã gêmea siamesa, a representação da brutalidade humana, como um açougueiro que fatia um pedaço de carne friamente, que destrincha um frango.
De Palma coloca a organicidade do corpo como aspecto fundamental de suas narrativas, seja na forma como retrata os assassinatos, ou como filma o sexo, a sensualidade - reparem no plongée que revela a grotesca cicatriz de Danielle justamente no momento em que ela e Phillip se acariciam no sofá. Fora a brilhante cena final, que estabelece uma rima espertíssima com o programa de TV (cujo logotipo é um binóculo) que abre o filme – Phillip, que antes se punha a atuar como um voyeur no show televisivo, agora é observado como um moribundo, cujo cadáver, escondido dentro do móvel coberto com lençol, não é reclamado – e o crime, portanto, se torna insolúvel. Não há imitação na relação De Palma-Hitchcock, mas sim uma complementaridade assombrosa, o que só enriquece o cinema e sua história.
De Palma herdou de Hitchcock a habilidade da cadência, do ritmo em que o medo crescia não apenas como um artifício de gênero, mas como motor principal da narrativa. Não há drama sem a expectativa, e o que De Palma faz é imprimir o receio a cada plano geral que liga uma cena a outra, a cada conversa (como a que ocorre no carro, em que a personagem de Jennifer Salt se mantém fitando o vazio enquanto sua mãe fala sem parar) e em cada olhar. Detratores dizem que De Palma é apenas um pastiche do mestre inglês – como se isso, aliás, fosse pouca coisa: quem dera houvesse mais cineastas com tanto talento para capturar o modus operandi de um diretor e imprimir à sua obra com a mesma carga de reverência (e referência) e autoralidade.
Ambos os diretores colocam o espectador numa posição crucial, não apenas como mero observador da situação, mas como uma entidade que reflete os anseios dos personagens – o enfoque é no rapaz acusado injustamente ao invés do bandido fugitivo; na jornalista que demonstra sua fragilidade ao não conseguir provar o que viu, e não no detetive que conduz a investigação oficial. Enfim, parece até óbvio dizer que De Palma e Hitchcock são dois dos cineastas que mais habilmente souberam levar o público em consideração na realização de seus filmes, seja na forma como modulam o suspense, ou na maneira como, enfim, concretizam o temor, a angústia da espera.
De Palma não é a imitação, mas a reconfiguração de uma linguagem, um cineasta que soube aproveitar como nunca seu rótulo de “Hitchcock cover” para impor a seu cinema uma nova maneira de observar o mundo a partir, principalmente, da vulgarização e banalização da violência, do atrevimento, características que Hitchcock deixava sempre implícitas, muitas das vezes em decorrência da censura, mas que o fazia com maestria nas entrelinhas dos diálogos, nos jogos de olhar, nos ângulos precisos de câmera.
Em Sisters, por exemplo, há uma cena-chave que representa a diferença de visão dos dois cineastas: Philip Woode, o personagem de Lisle Wilson chega com o bolo na casa de Danielle e, vendo a moça na cama, como se estivesse num sono profundo, corre para a cozinha desembalar o bolo para lhe fazer uma surpresa. De Palma nos mostra o plano-detalhe da maleta em que ele pega a faca para levar até a garota, e no momento em que agacha para revelar o presente, faca e bolo na mão, é surpreendido por ela, que acorda como um monstro, toma a faca de sua mão, e lhe apunhala várias vezes até a morte – e depois seu corpo é escondido dentro do sofá. A maleta é a mesma que contém o cutelo que, ao final, se revelará num flashback de Danielle no hospício, sob efeito de hipnose - um símbolo da separação dela de sua irmã gêmea siamesa, a representação da brutalidade humana, como um açougueiro que fatia um pedaço de carne friamente, que destrincha um frango.
De Palma coloca a organicidade do corpo como aspecto fundamental de suas narrativas, seja na forma como retrata os assassinatos, ou como filma o sexo, a sensualidade - reparem no plongée que revela a grotesca cicatriz de Danielle justamente no momento em que ela e Phillip se acariciam no sofá. Fora a brilhante cena final, que estabelece uma rima espertíssima com o programa de TV (cujo logotipo é um binóculo) que abre o filme – Phillip, que antes se punha a atuar como um voyeur no show televisivo, agora é observado como um moribundo, cujo cadáver, escondido dentro do móvel coberto com lençol, não é reclamado – e o crime, portanto, se torna insolúvel. Não há imitação na relação De Palma-Hitchcock, mas sim uma complementaridade assombrosa, o que só enriquece o cinema e sua história.
Adoro esse filme do Brian de Palma e gostaria de revê-lo o quanto antes. Belo texto!
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