Com Jade (1995), William Friedkin atinge um grau de artificialismo que não se liga a obsessões narrativas e formais, como no caso de Francis Coppola
A abertura traz indícios de
interesse, quando a câmera passeia por vários cômodos de uma mansão luxuosa,
culminando num assassinato offscreen
com sangue escorrendo por baixo de um biombo. Porém, um detalhe chama atenção,
e nos frustra: até o vermelho do sangue é excessivamente brilhoso,
plastificado. Para um cineasta que sempre encenou a violência com absoluta
crueza, esse tipo de detalhe já traz desconfiança.
Diz-se que Friedkin alterou
drasticamente o roteiro de Joe Eszterhas – inclusive com o autor ameaçando
retirar o nome do filme. Ou seja, se o texto alterado resultou neste filme,
imagine o que seria o material original. A história traz o procurador David
Corelli (David Caruso, absolutamente sonolento) investigando um assassinato que
envolve figuras políticas de alto escalão, prostituição e a elite social de San
Francisco, além de uma mulher que ele ainda ama (Linda Fiorentino) e que está
casada com seu amigo advogado (Chazz Palminteri).
Tudo é tão episódico que, se fosse
pra escolher um representante vitalício para a sessão Supercine, da TV Globo,
essa seria uma grande opção. É o típico thriller que é anunciado como
escandaloso, mas no fim revela gritante frouxidão no erotismo que pretende
mostrar. Assim, Fiorentino tem a máxima exploração de seu potencial erótico num
contra-plongée, sentada nua numa cadeira, falando ao telefone – a beleza de um
comercial de perfume.
Claro que, para um cineasta do calibre
de William Friedkin, algumas faíscas de destreza são percebidas numa
espetacular perseguição automobilística, que se inicia com um cruel
atropelamento, invade a Chinatown e culmina num píer da cidade californiana.
São os dez melhores minutos do filme, em que o diretor dá sua clássica aula de
montagem e ritmo através das ladeiras de San Francisco. Exceto, claro, pelas poucas aparições de Angie Everhart, que interpreta uma das prostitutas envolvidas, presença feminina e ruiva das mais impositivas.
Mas é muito pouco. Os personagens
são rasos como um prato de papelão, se resumindo a miseráveis protótipos,
bonecos sem vida, com motivações de jogo de tabuleiro. Assim, a violência
retratada em Jade não é fruto da
fúria, como o personagem de Caruso menciona para um policial em certo momento, observando
o cadáver pendurado na parede. A raiva, a obsessão e a frustração são os
sentimentos que costumam mover os personagens “friedkinianos”, torná-los vivos,
palpáveis, vibrantes. Aqui, entretanto, o sangue é apenas um mero truque, um
efeito especial débil, a serviço de uma infindável tolice e sem impacto algum –
o que seu suspeito brilho na abertura já denunciava. Ou seja, afora um ou outro
lampejo, o esforço de Friedkin em colocar a máscara do modismo passageiro cai
por terra. Ainda bem.