Clint Eastwood, talvez o diretor mais respeitado em Hollywood, mostrou que a aposentadoria está muito longe (ainda bem) com dois filmes lançados no Brasil entre Janeiro e o presente mês de Março. A Troca nos dá uma visão fidelíssima e de planos bem abertos de alguém que tem uma relação muito estreita com um lugar (Los Angeles, anos 30) e conhece a fundo suas vicissitudes. E eis que vemos Gran Torino, mais do cinema autoral desse mestre da honestidade narrativa, estrear nos EUA e faturar mais de US$ 140 milhões – o filme de maior faturamento do eterno Dirty Harry como diretor ou ator.
Claro que dados de bilheteria não provam muita coisa, mas deixam claros que Eastwood, 78 anos, está em plena forma realizando filmes que continuam provocando tremenda empatia com a platéia, sem nunca abdicar de seu grande poder de narrar simples e intensamente. Eastwood, assim como Lumet, não só relê o cinema clássico americano, como lhe imprime uma nova configuração histórica, onde o mito do herói justiceiro há muito já virou piada.
Enquanto Lumet insere seus personagens num labirinto sufocante de sangue e morte em família, Eastwood personifica seu veterano de guerra (Walt Kowalski) vivendo sozinho num subúrbio de Detroit, e tendo de lidar, rancorosamente, com os vizinhos (imigrantes da etnia hmong) que não sabem cuidar da grama, e com os filhos, que o querem num asilo. É um retrato bem significativo de uma América desiludida (o barbeiro, vivido por John Carrol Lynch, também simboliza bem isso, na naturalidade com que ele e Walt trocam os insultos mais diversos). Eastwood tem só a seu labrador e seu lindo e estiloso Gran Torino, modelo da Ford da década de 1970, cuja coluna de direção ele instalou.
O que impressiona, além da segurança habitual de Clint na direção, é o roteiro, bem leve e engraçado na primeira hora, mas que vai mostrando com competência seus traços de melancolia ao longo do segundo e terceiro atos. Mesmo os momentos de comédia rasgada (as conversas com Thao) guardam certa amargura, que explodirá somente no final, maravilhoso e anti-apoteótico, uma sátira cruel que o diretor de Os Imperdoáveis faz de sua própria carreira. E ainda não é a última imagem desse filme muito especial, que nos brinda, ao som de uma canção onde Eastwood também coloca sua voz, com umas das melhores cenas dos anos 2000, representação muito simbólica, em vários níveis, de como a essência de uma cultura é passada de uma geração a outra. É o tipo de desfecho que, particularmente, me encheu de uma alegria incomum, e que deu vontade de encontrar Eastwood na saída do cinema e apertar sua mão.