sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Jade (1995), de William Friedkin



Com Jade (1995), William Friedkin atinge um grau de artificialismo que não se liga a obsessões narrativas e formais, como no caso de Francis Coppola em Do Fundo do Coração, que se utilizou de artifícios típicos dos antigos musicais da Metro, como a luz estourada, matte painting, e cenários de estúdio para emular um certo estado de espírito.  E no que tange à direção de atores, muito abaixo do que se esperaria de um cara que nos deu O Exorcista, Operação França ou O Comboio do Medo, a canastrice também não é intencional. Nestes filmes, a secura das atuações revelava personagens verdadeiramente transtornados, compulsivos – enfim, inquietos. A falta dessa inquietação, que transpirava em seus melhores filmes, talvez seja o fator mais incômodo nesse seu thriller pseudo-erótico, uma empreitada que revela um cineasta afoito por modismos – colidindo frontalmente com sua personalidade sempre combativa.

A abertura traz indícios de interesse, quando a câmera passeia por vários cômodos de uma mansão luxuosa, culminando num assassinato offscreen com sangue escorrendo por baixo de um biombo. Porém, um detalhe chama atenção, e nos frustra: até o vermelho do sangue é excessivamente brilhoso, plastificado. Para um cineasta que sempre encenou a violência com absoluta crueza, esse tipo de detalhe já traz desconfiança.

Diz-se que Friedkin alterou drasticamente o roteiro de Joe Eszterhas – inclusive com o autor ameaçando retirar o nome do filme. Ou seja, se o texto alterado resultou neste filme, imagine o que seria o material original. A história traz o procurador David Corelli (David Caruso, absolutamente sonolento) investigando um assassinato que envolve figuras políticas de alto escalão, prostituição e a elite social de San Francisco, além de uma mulher que ele ainda ama (Linda Fiorentino) e que está casada com seu amigo advogado (Chazz Palminteri).

Tudo é tão episódico que, se fosse pra escolher um representante vitalício para a sessão Supercine, da TV Globo, essa seria uma grande opção. É o típico thriller que é anunciado como escandaloso, mas no fim revela gritante frouxidão no erotismo que pretende mostrar. Assim, Fiorentino tem a máxima exploração de seu potencial erótico num contra-plongée, sentada nua numa cadeira, falando ao telefone – a beleza de um comercial de perfume. 


Claro que, para um cineasta do calibre de William Friedkin, algumas faíscas de destreza são percebidas numa espetacular perseguição automobilística, que se inicia com um cruel atropelamento, invade a Chinatown e culmina num píer da cidade californiana. São os dez melhores minutos do filme, em que o diretor dá sua clássica aula de montagem e ritmo através das ladeiras de San Francisco. Exceto, claro, pelas poucas aparições de Angie Everhart, que interpreta uma das prostitutas envolvidas, presença feminina e ruiva das mais impositivas.

Mas é muito pouco. Os personagens são rasos como um prato de papelão, se resumindo a miseráveis protótipos, bonecos sem vida, com motivações de jogo de tabuleiro. Assim, a violência retratada em Jade não é fruto da fúria, como o personagem de Caruso menciona para um policial em certo momento, observando o cadáver pendurado na parede. A raiva, a obsessão e a frustração são os sentimentos que costumam mover os personagens “friedkinianos”, torná-los vivos, palpáveis, vibrantes. Aqui, entretanto, o sangue é apenas um mero truque, um efeito especial débil, a serviço de uma infindável tolice e sem impacto algum – o que seu suspeito brilho na abertura já denunciava. Ou seja, afora um ou outro lampejo, o esforço de Friedkin em colocar a máscara do modismo passageiro cai por terra. Ainda bem.