sábado, 25 de fevereiro de 2012

A busca pelo deslumbramento

Martin Scorsese é um artista apaixonado. É errante, como qualquer um que se embrenha pelo cinema há mais de quarenta anos. Mas sua irregularidade, da maneira que se reflete em seus filmes, gera certo tipo de fascínio – aquele da perseverança, do incansável desejo de conquista. E conquistar o espectador parece ser o maior objetivo de A Invenção de Hugo Cabret.

A primeira obra em 3D de Martin não utiliza do artifício da tridimensionalidade como um recurso prosaico e exagerado, um novo papel de embrulho para um presente velho. Scorsese tem plena consciência de saber utilizar o recurso tridimensional além do simples truque. É uma ferramenta de que ele se apropria com tanto vigor que nos deixa às lágrimas ao percebermos a lua de Georges Méliès se aproximando de nossos olhos, na projeção de Viagem à Lua em certo momento do filme – depois de ver a mesma lua em chamas, como entulho, já na derrocada de Méliès como cineasta.

A profundidade de campo, os plongées e os mergulhos da câmera são os verdadeiros efeitos especiais do filme (fotografado pelo grande Robert Richardson), e é notável como Scorsese impõe seu ritmo cadenciado a uma obra toda empacotada e vendida para ser uma aventura alucinante para crianças de doze anos. Na verdade, a primeira impressão que se tem ao ver o cartaz e o trailer é de que se trata de um novo Expresso Polar (aquela coisa extraterrestre – no mau sentido – de Robert Zemeckis).

O personagem de Hugo Cabret tem muito do próprio Scorsese quando jovem – o instinto da experimentação, da descoberta, da busca pelo deslumbramento. Os grandes olhos azuis de seu intérprete (o garoto Asa Butterfield, excelente) refletem esses sentimentos da mesma forma que os do jovem Henry Hill de Os Bons Companheiros, que já no início do filme fita os gangsteres pela janela, sonhando acordado (“Ser um gângster é melhor do que ser presidente dos Estados Unidos”).

A figura do restaurador e historiador Rene Tabard (interpretado por Michael Stuhlbarg, de Um Homem Sério) é sintomática, pois daí principalmente pode surgir às acusações de que o cineasta nova-iorquino está sendo didático. A verdade é que o filme gera uma multiplicidade de pontos de vista que espelha as várias facetas de Scorsese – o cineasta, o historiador, o restaurador, o fanático. Se didatismo é refletir a personalidade do autor, demonstrar seus conflitos, sua avidez e, posteriormente, compartilhar tudo isso com um público (sem qualquer traço professoral, é bom dizer), ótimo. Que ao menos um centésimo dos filmes de hoje tenham essa energia.

Se Hugo Cabret, afinal, com todo seu caldeirão apaixonado de imagens e referências, seu deleite pela encenação, sua vocação para o mais puro delírio (a recriação das cenas dentro do estúdio de Méliès não nos deixa mentir) consegue conquistar o espectador casual, não sabemos. A certeza é que temos um filme pleno de encantamento, uma obra-prima pronta a ser sempre redescoberta.