quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cortes definitivos

Bob Fosse dirige o que será a cena de abertura de O Show Deve Continuar (All That Jazz, 1979). As marcações no chão do palco indicam duas linhas paralelas e um “X” representa o centro, onde os dançarinos devem se encontrar ao saltarem para lados opostos.

Este extra, no DVD do filme, revela muito sobre a essência desta autêntica obra-prima do cinema americano da década de 1970. Aqui, Fosse promove a desconstrução do mito da celebridade nos colocando no centro da ação, no meio dos passos simétricos, no cerne do espaço cênico. Ao mesmo tempo em que o coreógrafo/cineasta reflete o equilíbrio, a harmonia e a disciplina da dança no trabalho de montagem cirúrgico e nunca menos que assombroso, ele nos deixa desestabilizados ao final, desde a abertura que explode nos olhos do espectador e o deixa em êxtase.

Joseph Gideon (Roy Scheider) pinga colírio nos olhos, toma alguns comprimidos de dextrina, e logo depois já está no chuveiro – fumando. O corte, instância que se mostra sempre alma do filme, logo nos transporta para o protagonista equilibrando-se sobre uma corda a alguns metros de altura. Ele diz: “A vida é estar na corda bamba. O resto é só espera”. Se uma das características que tornam o artista sublime é sua capacidade de síntese, aí está: em menos de cinco minutos, Fosse estabelece um universo paralelo, e nos faz mergulhar nele.

As próximas duas horas mal passam, e lá estamos de novo, no corte definitivo, que nos coloca para fora de todo esse mosaico sensorial, com uma crueldade lancinante. O nome de Fosse aparece na tela e nossos olhos ainda permanecem muito abertos – mais ainda quando a música deixa de tocar e os créditos acabam de rolar num silêncio sepulcral.