quarta-feira, 24 de junho de 2009

Uma Mulher Sob Influência


Muito árdua a tarefa de se falar sobre o cinema de John Cassavetes, principamente quando se trata de sua obra mais impactante, Uma Mulher Sob Influência (1974). O filmé já é povoado por ditos e não ditos tão dolorosos, que qualquer palavra crítica parece soar, no mínimo, apática frente ao material precioso que Cassavetes escreve e filma. O que esse cineasta estadunidense faz é colocar em seu filme o peso da vida.

Gena Rowlands faz Mabel, uma mulher que sofre de pesada crise emocional, abalada ainda mais pela ausência do marido nos turnos cada vez mais longos de seu trabalho num estaleiro. O que essa atriz faz dramaticamente é algo monstruoso, a cada minuto expondo mais sua alma para o espectador, num crescendo que nunca parece chegar ao fim. É dos raros fimes que exaurem fisicamente quem o assiste, até porque sentimos a mesma angústia do marido de Mabel, Nick, interpretado por Peter Falk em outra proeza de atuação, num personagem iguamente difícil, desesperado e mentamente confuso.

Cenas-tesouro como a de Mabel perguntando as horas para os transeuntes na rua, ao mesmo tempo em que espera com alegria imensa a chegada dos filhos da escola, provoca aquele tipo de nó na garganta que só as obras genuinamente autênticas são capazes de proporcionar. É um momento exemplar de expressão cinematográfica, que sintetiza tanta coisa em tão pouco tempo sobre o relacionamento humano, o amor, (e sua ausência) e a vida em família.


segunda-feira, 22 de junho de 2009

De Hawks a Gilliam

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Criminosamente fora de nosso mercado de DVD, Medo e Delírio, de Terry Gilliam, é um furacão colorido que passa pelo espectador numa mistura muito idiossincrática de Martin Scorsese com David Lynch. A maneira com que Johnny Depp e Benicio Del Toro mergulham em seus respectivos personagens é doentia. O fiapo de história dá conta destes dois amigos que partem para cobrir uma corrida de motos em Las Vegas, mas a obra já deixa muito claro, desde a cena inicial, que a intenção é utilizar de uma construção imagética muito livre e caótica para retratar uma atordoante viagem de ácido, éter e afins. Afora as já muito desgastadas imagens distorcidas e animais gigantes ilustrando as alucinações (a la O Grito, de Edvard Munch), o filme de Gilliam acerta em nos deixar tão atordoados quanto seus personagens, e isso de forma alguma significa que o filme provoque cansaço visual no espectador. Quanto mais desesperadora fica a situação (por exemplo, com Del Toro na banheira pedindo para ser eletrocutado enquanto escuta Whitte Rabbit num rádio velho), mais embarcamos nesse mosaico vivo que o ex-Monty Python nos propõe.
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Ainda com as vibrações do Technicolor na retina de Os Homens Preferem As Loiras, a comédia musical de Howard Hawks que não tem o brilho de um O Esporte Favorito do Homem, mas mesmo assim serve para constatar o domínio deste autor quando o assunto é timing. Marilyn Monroe e Jane Russel descobrindo o valor dos diamantes, enquanto viajam de navio a França, tem um toque de cinismo bem particular, encontrando seu auge na cena final. Não é à toa a predileção de Tarantino pelo diretor: da esperteza dos diálogos à química sempre perfeita entre os atores em cena, Hawks é o mestre da camaradagem, dos personagens fortes que guiam o espectador pelo filme e não o soltam até o final - a exemplo de Cary Grant e sua equipe de pilotos de O Paraíso Infernal, o diretor e o grupo de atores de Suprema Conquista, ou mesmo Gary Cooper e os soldados de Sargento York.

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Howard Hawks

Novo trailer de Bastardos Inglórios

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Trailer do novo Scorsese, Shutter Island



Scorsese com seu arsenal de imagens inesquecíveis, que nem o robô padrão que monta os trailers de Hollywood no piloto automático consegue enfraquecer. Previsão de estreia no Brasil para 09/10/2009.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Deixe Ela Entrar


A fascinação por uma cena de cinema vem basicamente por um elemento: construção. Não há nada mais estimulante, particularmente, do que assistir a uma cena bem construída, sair da sessão com aquela sensação plena de que ela ficará guardada num espaço cativo na memória. É esse o caso de Deixe Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2008), filme muito bem dirigido pelo sueco Tomas Alfredson.

O enredo com o elemento “vampiro” pode certamente afastar os mais conservadores, que pensam ser mais um filme comum de gênero. Mas a surpresa é bem maior e digna de nota. Alfredson encena as regras típicas dessa mitologia de maneira tão íntima e tão frontal que nos parece fazer sentir que esses seres estão por aí, em qualquer calçada, prontos para serem cordiais. Longe da farofada Dawson´s Creek de Crepúsculo, Alfredson entrega ao espectador um filme especialíssimo que salta aos olhos pela sutileza, mesmo nos momentos onde o horror se mostra presente de modo mais explícito.

E é exatamente aí que o filme é elevado a outro patamar. Duas cenas, em especial, faz pensar o quanto um simples corte, ou a manutenção de um plano aberto é capaz de nos fazer tremer: a do senhor com a cara desfigurada que é mordido e lançado do oitavo (nono? décimo?) andar de um hospital, ou o tão acamado clímax na piscina, de fazer M. Night Shyamalan ficar azul de inveja. É a tal da construção de cena, ou mise-en-scène, usada em sua potência máxima.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Procurado



Deus queira que possamos encontrá-lo no cinema. Campanha de Filmes Polvo e Cine Demência, solidarize-se você também, cinéfilo ou não.

Quê? (Polanski)


Um dos Polanski mais obscuros, da sua fase pré Chinatown, é este Quê? (1972), uma fábula completamente nonsense estrelada por Marcello Mastroianni e Sydne Rome. Aqui, o tom de um sonho surrealista que Polanski impõe vem muito mais firme do que em O Inquilino, por exemplo. É o tipo de filme que vai fundo na construção de um universo muito próprio, teatral, e seria muito difícil não imaginar os Coen se deliciando com esse tipo de material (como, aliás, já disse aqui a respeito de Armadilha do Destino, que deve estar na cabeceira dos irmãos).

Rome faz uma viajante que foge de uma tentativa de estupro numa carona com três estranhos, um deles estrábico e que origina uma das melhores piadas do filme. Ela então se vê numa bizarra mansão à beira-mar, onde posteriormente vai conhecer Marcello Mastroianni, que vive um cafetão no que talvez seja uma de suas atuações mais impagáveis (e, porque não dizer, corajosa). É um trabalho que transita numa linha muito perigosa entre a canastrice e a pura caricatura, o que o italiano administra muito bem nessa loucura toda que é o filme. Rome, americana, carrega um diário onde escreve suas impressões em italiano, e permanece seminua praticamente o filme todo. Déjà vu, barões, Mozart, fantasias com peles de tigre, metalinguagem e um uniforme de Napoleão povoam o filme numa miscelânea tanto absurda quanto interessante - e, vale dizer, dirigido com plena segurança por Polanski, que também faz uma ponta com um das figuras bem peculiares que habitam essa villa que mais parece um bordel.

Quê? possui uma sexualidade pujante, não apenas pela caracterização dos personagens, mas pelo fato do filme representar, no fim das contas, uma suntuosa materialização de um sonho erótico, paradisíaco, o que a fotografia do filme, talvez a mais "ensolarada" da obra de Polanski, vem confirmar. É, de fato, um longa de ritmo bastante irregular, que parece se resolver bem melhor internamente, dentro de suas sequências que remetem a esquetes de tom farsesco (a cena da refeição "em família", ou do strip "parcial" no quarto de Noblart), do que como conjunto. Contudo, exatamente por essa irreguaridade é que o filme se torna apaixonante, na medida em que em nenhum momento dá sinal de que pretende se apoiar em alguma amarra narrativa. O polonês torrou com muita propriedade o dinheiro do grande produtor Carlo Ponti.