segunda-feira, 23 de março de 2009

O cinema dos veteranos


Os Estados Unidos, nos últimos tempos, tem mostrado uma série de releituras interessantes de sua cultura e história através do cinema feito por seus veteranos. Sidney Lumet, ano passado, deu uma nova dimensão ao que conhecemos como drama familiar, ao realizar um filme vigoroso e explosivo como Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto – obra-prima que tem como um de seus pilares Albert Finney, exibindo bravura e entrega que sufocam o espectador no papel de um pai amargurado. O filme termina e você está lá, com a tristeza entalada na garganta.

Clint Eastwood, talvez o diretor mais respeitado em Hollywood, mostrou que a aposentadoria está muito longe (ainda bem) com dois filmes lançados no Brasil entre Janeiro e o presente mês de Março. A Troca nos dá uma visão fidelíssima e de planos bem abertos de alguém que tem uma relação muito estreita com um lugar (Los Angeles, anos 30) e conhece a fundo suas vicissitudes. E eis que vemos Gran Torino, mais do cinema autoral desse mestre da honestidade narrativa, estrear nos EUA e faturar mais de US$ 140 milhões – o filme de maior faturamento do eterno Dirty Harry como diretor ou ator.

Claro que dados de bilheteria não provam muita coisa, mas deixam claros que Eastwood, 78 anos, está em plena forma realizando filmes que continuam provocando tremenda empatia com a platéia, sem nunca abdicar de seu grande poder de narrar simples e intensamente. Eastwood, assim como Lumet, não só relê o cinema clássico americano, como lhe imprime uma nova configuração histórica, onde o mito do herói justiceiro há muito já virou piada.

Enquanto Lumet insere seus personagens num labirinto sufocante de sangue e morte em família, Eastwood personifica seu veterano de guerra (Walt Kowalski) vivendo sozinho num subúrbio de Detroit, e tendo de lidar, rancorosamente, com os vizinhos (imigrantes da etnia hmong) que não sabem cuidar da grama, e com os filhos, que o querem num asilo. É um retrato bem significativo de uma América desiludida (o barbeiro, vivido por John Carrol Lynch, também simboliza bem isso, na naturalidade com que ele e Walt trocam os insultos mais diversos). Eastwood tem só a seu labrador e seu lindo e estiloso Gran Torino, modelo da Ford da década de 1970, cuja coluna de direção ele instalou.

O que impressiona, além da segurança habitual de Clint na direção, é o roteiro, bem leve e engraçado na primeira hora, mas que vai mostrando com competência seus traços de melancolia ao longo do segundo e terceiro atos. Mesmo os momentos de comédia rasgada (as conversas com Thao) guardam certa amargura, que explodirá somente no final, maravilhoso e anti-apoteótico, uma sátira cruel que o diretor de Os Imperdoáveis faz de sua própria carreira. E ainda não é a última imagem desse filme muito especial, que nos brinda, ao som de uma canção onde Eastwood também coloca sua voz, com umas das melhores cenas dos anos 2000, representação muito simbólica, em vários níveis, de como a essência de uma cultura é passada de uma geração a outra. É o tipo de desfecho que, particularmente, me encheu de uma alegria incomum, e que deu vontade de encontrar Eastwood na saída do cinema e apertar sua mão.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Drama de Segunda Guerra lidera indicações de Premiação Alemã

Segundo a Variety, o drama alemão John Rabe, história real de um industrial alemão que salvou 200.000 chineses durante a invasão japonesa de Nanjing, angariou sete indicações para os 'Lolas', como são conhecidos os German Film Awards.

As indicações incluem melhor filme, diretor (Florian Gallenberger), ator (Ulrich Tukur) e ator coadjuvante (Steve Buscemi, o Donny de O Grande Lebowski).

A cerimônia de entrega dos prêmios acontece no dia 24 de abril, em Berlim.

As indicações são:

German Film Award 2009

Mehor Filme

"The Baader Meinhof Complex," Uli Edel

"Chicko," Oezguer Yildirim

"A Year Ago in Winter," Caroline Link

"Jerichow," Christian Petzold

"John Rabe," Florian Gallenberger

"Cloud 9," Andreas Dresen

Melhor Diretor

Andreas Dresen, "Cloud 9"

Uli Edel, "The Baader Meinhof Complex"

Florian Gallenberger, "John Rabe"

Christian Petzold, "Jerichow"

Melhor Atriz

Anne Maria Muehe, "November Child"

Ursula Werner, "Cloud 9"

Johanna Wokalek, "The Baader Meinhof Complex"

Melhor Ator

Josef Bierbichler, "A Year Ago in Winter"

Denis Moschitto, "Chicko"

Ulrich Tukur, "John Rabe"

Melhor Atriz

Irm Hermann, "A Woman in Berlin"

Susanne Lothar, "Fleisch ist mein Gemuese"

Sophie Rois, "The Architect"

Melhor Ator Coadjuvante

Steve Buscemi, "John Rabe"

Andreas Schmidt, "Fleisch ist mein Gemuese"

Ruediger Volger, "Effi Briest"

Melhor Roteiro

Christian Schwochow, Heide Schwochow, "November Child"

Johanna Stuttmann, "A Hero's Welcome"

Oezguer Yildirim, "Chiko"

Best Cinematography

Kolja Brandt, "North Face"

Juergen Juerges, "John Rabe"

Wedigo von Schultzendorff, "Lulu & Jimi"

M

Anne Fabini, "Berlin Calling"

Peter Przygodda, Oli Weiss, Mirko Scheel, "Palermo Shooting"

Patricia Rommel, "A Year Ago in Winter"

Sebastian Thumler, "Chiko"

Melhor Design de Produção

Christian M. Goldbeck, "Krabat"

Tu Ju Hua, "John Rabe"

Udo Kramer, "North Face"

Melhor Figurino

Lucie Bates, "Effi Briest"

Lisy Christl, "John Rabe"

Birgit Missal, "The Baader Meinhof Complex"

Melhor Música

Element of Crime, "Robert Zimmermann is Tangled Up in Love"

Annette Focks, "Krabat"

Niki Reiser, "A Year Ago in Winter"

Melhor Design de Som

Manfred Banach, Tschangis Chahorkh, Dirk Jacob, Carsten Richter, "Krabat"

Manfred Banach, Christian Conrad, Martin Steyer, "A Woman in Berlin"

Tschangis Chahrokh, Heinz Ebner, Guido Zettier, "North Face"

Melhor Documentário

"Lenin kam nur bis Ludenscheid," Andre Schafer

"NoBody's Perfect," Niko von Glasow

Melhor Filme Infantil

"Lilly the Witch," Stefan Ruzowitzky

"Nothing Else Matters," Julia von Heinz


terça-feira, 3 de março de 2009

O sonho em Suspiria


Suspiria (1977) é um filme de pura atmosfera. E de forma alguma isso se torna redutor, à medida que vemos Dario Argento conduzir tudo no universo do sonho, onde o que reina, muitas vezes, é a histeria, o medo que não se revela, a mistura opressiva de cores saturadas (o próprio diretor já chegou a afirmar que “sonha em vermelho”) e ruídos. Aqui o que interessa não é o plot, ou a lógica de roteiro – mas sim o desenvolvimento cuidadoso dos espaços, labirínticos, cada um funcionando como um bloco dentro desse ambiente onírico (a sala dos arames, o quarto dos lírios, a sala de dança, a piscina). O filme de Argento, à sua maneira, desvenda essa mecânica, se assim for possível classificá-la, da fragmentação de imagens que constitui um dos mistérios mais intrigantes de quando estamos imersos no sono, sonhando – nunca temos plena noção do tamanho da escola, e cada canto parece uma descoberta da protagonista, proporcional à sua imergência naquela fantasia paralela. Quando Jessica Harper, ao final, sai feliz sob a chuva (um contraponto para a tempestade que marcou sua chegada à Alemanha), temos uma representação tão simples quanto bela do ato de acordar, de sentir o alívio da realidade quanto tocamos os pés no chão. Belo filme.