quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Isso é um discurso - o resto é resto



Mickey Rourke aceitando o Spirit Award de melhor ator por O Lutador. Gênio puro. Imaginem se fosse no Oscar.

"Eric Roberts is the fuckin´man!"

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A franqueza brutal de O Lutador

Um dos grandes injustiçados da noite do Oscar, domingo, sem dúvida alguma foi o novo filme de Darren Aronofsky, O Lutador. Claro que um pé atrás com o diretor depois de Fonte da Vida é natural, mas nada que justifique não premiar uma das atuações mais fortes e contidas dos últimos anos (jamais desmerecendo a estatueta para o também genial Sean Penn). Rourke ressurge impressionante na carreira numa entrega a um papel como pouco se viu. A luta com os grampos, ou mesmo o corte que ele de fato fez na testa numa cena, o soco na lâmina de um cortador de frios. Para se aplaudir. Elia Kazan chegou a dizer que um de seus testes, na época de estudante, foi um dos melhores que ele havia visto em 30 anos. Não é exagero dizer que o seu choro, aqui, para a filha, com o olhar fitando o vazio (“I´m a broken down piece of meat”, diz ele), tem algo da magia de Marlon Brando em Sindicato de Ladrões. E o que dizer do momento em que ele chama o moleque para jogar Super Nintendo? Tudo transpira uma franqueza brutal.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Los Abrazos Rotos

Teaser trailer do novo filme de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz:

Oscar 2009: Como esperado, o filme-rave de Boyle bombou!

Slumdog: o grande vencedor

O Oscar é um espetáculo que desperta um bizarro interesse, muito pelo seus poucos mas marcantes momentos-surpresa, seja em alguns discursos de vencedores ou ,como foi o caso ontem, na aparição de Ben Stiller satirizando Joaquin Phoenix (o chiclete sobre o púlpito), ou mesmo o curta de Judd Appatow, engraçadíssimo, com maconheiros fazendo chacota de O Leitor e Dúvida, com aparição especial do diretor de fotografia favorito de Spielberg, o polonês Janusz Kaminski.

A cerimônia parece ter diminuído em espaço e pompa, mas a sensação de tempo arrastado continua. Hugh Jackman competente como host, mas foi difícil superar a acidez e astúcia de Jon Stewart. E quando vão deixar Spielberg descansando na sua casa de veraneio e chamar outro para entregar o prêmio de melhor filme? Clichê cansado, esse. E nada mal os cinco apresentadores das categorias de atuação dando discretas lições aos concorrentes.

Outra boa piada (como usualmente é) foi a apresentação das canções, três concorrendo, duas delas pelo mesmo engodo que é o novo filme de Danny Boyle. Uau, será que Peter Gabriel vai ganhar por Wall-E!? Pior de tudo foi ignorarem sumariamente Bruce Springsteen com sua canção The Wrestler, para outro ainda mais injustiçado que foi o novo e magnífico filme de Aronofsky, O Lutador. Sean Penn merecido como ator, mas nos poupou de um discurso com alto potencial de interesse e divertimento que seria o de Mickey Rourke

A farofada foi mais previsível no anúncio do vencedor por direção, Danny Boyle, o cineasta-DJ que realizou a festa rave temática com decoração indiana que é Slumdog Milllionaire (Quem Quer Ser o Milionário por aqui, programa que, no filme, é apresentado pelo que me pareceu o Murilo Benício indiano – bem menos sonolento, claro), premiado como melhor filme.

No fim, é sempre interessante e engraçada (involuntariamente, às vezes) essa mistura toda que os Academy Awards oferecem, anualmente, do previsível com o inusitado.

And so on.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Full Metal Jacket: A assombrosa crônica de guerra de Kubrick


Stanley Kubrick se tornou atemporal por uma razão principal que hoje certamente seria praticamente impossível exercer: o longo tempo que ele deixava seus projetos amadurecendo. Assim como o tempo é o maior responsável por destruir ou agregar valor a um filme já lançado, ele também é fator fundamental para reavaliar cada minúcia de um filme muito antes de ser produzido. Certamente o que para alguns seria uma tortura, e destruiria a urgência que uma dada abordagem temática pediria (o caso de lançar um filme no “calor da discussão”), para Kubrick era vital – e foi o que ocorreu com os sete anos em que desenvolveu Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987), até hoje um filme que mantém sua precisão, sua secura e sua urgência no que diz respeito à análise da insanidade da guerra.

O filme, desde o primeiro ato, aborda seus personagens com o distanciamento que de maneira alguma é sinônimo de imparcialidade, de não comprometimento. Se o recente O Leitor, de Stephen Daldry, é um filme medíocre exatamente por revelar, por parte de seu diretor, um olhar desinteressado, morno, didático (como se quisesse apenas descrever os horrores do holocausto a uma platéia leiga), enfim, distante – no sentido covarde do termo – Kubrick se utiliza de sua frieza para dissecar, como navalha afiada, o horror (ou a mentalidade do horror) de todo o processo da guerra.

Nascido Para Matar é, talvez, um dos filmes mais duros de Stanley Kubrick, na medida em que não constrói uma narrativa da guerra, mas uma crônica das mais avassaladoras, que escancara a brutalidade e a loucura de um conflito armado que teve resultado constrangedor para os Estados Unidos. O inimigo representado pela garota sniper vietnamita é uma imagem icônica nesse sentido, por todo assombro e choque que causa num grupo de homens cuja virilidade é evidenciada até nos nomes – Cowboy e Animal Mother, por exemplo. Joker, interpretado com louvor por Matthew Modine, evoca outro ícone da masculinidade, John Wayne, no quartel (“Is this you, John Wayne? Is this me?”) – e essa piada vem repleta de significado uma vez que Wayne é um dos símbolos máximos do faroeste, gênero americano por excelência, e este, por sua vez, projeção dos ideais de conquista, de vitória, de coragem, de desbravamento tão tipicamente americanos que são prontamente desmontados por Kubrick, quando lembramos a vergonha histórica que a derrota dos EUA representa até hoje ao povo americano.

O segundo e terceiro atos vem repleto de uma energia incomum para os filmes de guerra feitos até então, evidenciando o aspecto de crônica quando Kubrick mostra uma equipe de filmagem que vai registrar a ação dos mariners. E a resposta do soldado Cowboy é sintomática quando ele diz que não encontrou um único cavalo no país inteiro – os Estados Unidos não conquistaram absolutamente nada no sudeste asiático; o John Wayne que havia dentro cada um deles simplesmente não veio à tona, a cidade de Hué foi “desbravada” de cabo a rabo e o maior percalço encontrado foi justamente uma adolescente que atira pelos buracos no concreto. É difícil descrever o espanto que a imagem da menina, assustada, causa em nós, espectadores. Kubrick canaliza nessa cena toda a fúria de seu filme, desde o impacto da fotografia, que remete a uma espécie de ritual religioso, aos closes nos rostos dos atores, que revelam o misto de choque, raiva e alívio que sentem por eliminar o alvo que, agora de perto, é tão inofensivo, infantil, ingênuo. Um tiro de misericórdia nunca foi tão doloroso – mesmo acontecendo fora de quadro. A marcha e o coro infantil (“Mickey Mouse!”), ao fim, se revelam a única maneira de expurgar o inferno de morte, fogo e sangue que o pelotão viveu até então – depois de eliminar a garota, o único jeito é tentar de alguma forma revive-la dentro de cada um. Porque, afinal, o sentimento de culpa existe, apesar de todos terem saído inteiros de uma batalha inútil. Kubrick faz gelar a espinha cada vez que revisitamos essa sua obra – o que deveria ser feito obrigatoriamente ao menos uma vez por mês.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Bastardos Inglórios (Tarantino)



Tarantino promete arrancar os escalpos de todo mundo num filme madafucka insane. Só a referência, nesse trailer, ao russo Vá e Veja, clássico absoluto dos filmes de guerra dirigido por Elem Klimov em 1985, já faz esse filme obrigatório. Estreia no Brasil prevista para 23/10/2009.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"What´s wrong, baby?"


John Carpenter é um daqueles diretores iconoclastas cujas imagens de horror e sarcasmo promoveram um novo refresco na maneira de se fazer cinema. Carpenter utiliza-se do formato scope como poucos, e isso é fato quando assistimos, por exemplo, a Eles Vivem, produção de 1988 sobre os malefícios da eterna passividade do ser-humano. No filme de Carpenter, as pessoas estão vivendo sob o controle de uma espécie de raça alienígena que exerce seu domínio sobre Los Angeles através de mensagens subliminares (“Compre, consuma, coma”), só possíveis de serem identificadas com um par de óculos escuros encontrados pelo personagem de Roddy Piper.

Pode parecer uma grande besteira (e de certa forma o é), mas Carpenter trata essa premissa, acima de tudo, com um senso de humor-negro que lhe é bem peculiar, e que nos faz rir por tudo que há de absurdo imbuído nesse plot. Carpenter homenageia carinhosamente as produções de terror e ficção científica B da década de 1950, com um olhar apuradíssimo que é ressaltado, como disse, pelo uso marcante da tela larga como ferramenta essencial para expressar a estranheza e o bizarro. Quando Nada, o protagonista, entra num supermercado e reconhece os alienígenas espalhados pelos corredores, e o travelling acompanha o surgimento de cada rosto estranho, temos claro exemplo de um cineasta com pleno domínio da técnica conjugada nas suas intenções narrativas – e o scope se torna, aqui, o melhor dos efeitos especiais.

Numa época em que o cinema, em grande parte, se utiliza dos recursos básicos de movimentação de câmera e de corte como mero acessório de luxo, ou de maneira tão arbitrária quanto murcha de significado, Carpenter dribla qualquer barreira orçamentária e impõe, com incrível uso da linguagem, sua autoralidade numa obra que não precisa de 3D Studio para ser convincente, intensa e engraçada. Aliás, Tarantino tem muito desse humor subversivo de Carpenter, certamente uma influência sólida para Death Proof, por exemplo.

O que torna Eles Vivem tão bom e interessante é sua capacidade de conjugar os elementos absurdos (portal luminoso, tele transporte, óculos escuros com poderes extra-sensoriais) com uma proposta de cinema realista, seca e tão cheia de ironia como a de Carpenter (a cena final, que provoca o riso como a prova da cumplicidade que o cineasta nova-iorquino estabelece com o espectador, é um exemplo claro). O diretor nos faz repensar o cinema como um dispositivo dinâmico, que transita pelos gêneros sem que estes sejam usados um em detrimento do outro, mas sim como alicerces para a reinvenção, para a reconstrução da linguagem.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Processo

Anthony Perkins e Orson Welles, em O Processo (1962)

O Processo, de Franz Kafka, é um livro perturbador de uma maneira bem singular – a narrativa do escritor tcheco é densa e mantém a atmosfera surreal até o fim, fazendo-o com incrível realismo e precisão técnica, e a constante frustração que sofre o protagonista Josef K. é sufocante. K. está sempre à procura de explicações, a todo momento expõe seus motivos com uma clareza impressionante, mas nunca progride, nunca avança e vai sendo constantemente esmagado pelo excesso de informações e descaminhos a que é conduzido.

Seria tarefa praticamente impossível transferir essas sensações para uma coerente visão cinematográfica, não fosse Orson Welles adaptar o texto e dirigir um filme que consegue, com louvor, transmitir o mesmo sentimento de sufocamento do texto. É um exemplo bem ilustrativo do estilo de um autor se encaixar de maneira tão orgânica e harmoniosa com a visão de um diretor que, desde cedo, já arrancava elogios rasgados com seus ângulos baixos e uso de profundidade de campo arrebatadores. Aqui, a forma é a essência para que a narrativa expresse o constante clima de medo e pesadelo que permeia o texto de Kafka.

Welles é um monstro da imagem, e quando coloca Anthony Perkins, ator magistral pela sua sutileza, nas situações claustrofóbicas do livro, através do uso constante de plongées e contra-plongées, na fusão dos ambientes (como na cena em que K. sai da casa do pintor Titorelli e, através de um túnel e de um labirinto construído pelas estacas de madeira, chega à igreja) consegue a tradução cinematográfica perfeita para a agonia do protagonista. Perkins, que havia conseguido enorme exposição com o atormentado Norman Bates de Psicose, oferece uma atuação que transcende qualquer tipo de método e expressa nuances de quem realmente acabou de acordar de um pesadelo e, paradoxalmente, não parece conseguir sair dele. O próprio Welles também aparece notável interpretando o advogado doente, um tipo de personagem que, assim como todos no livro, fica a quilômetros de distância de qualquer rotulação. Um filme feito longe das amarras de Hollywood, a qual o havia veementemente colocado em sua lista negra depois da obra-prima A Marca da Maldade que, apesar de todas as mutilações que sofreu de produtores, continua um filme extraordinário.

Enfim, é um enorme clichê, mas ele ainda é muito válido: O Processo é daqueles tesouros pra se guardar a vida toda.