quarta-feira, 25 de junho de 2008

Sidney Lumet: 84


Sidney Lumet aniversaria hoje, e nada mais justo do que uma pequena, mas franca homenagem a essa grande figura do Cinema, cineasta de estio e capacidade de encenação impressionantes. Pouco antes de completar os 84 anos de hoje, dirigiu a mais recente obra-prima, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, um filme extremamente brutal na sua maneira que retrata a derrocada irreversível de uma família. O vigor que Lumet demonstra aqui, na rigidez dos enquadramentos, nas atuações perfeitas (destaque para o mestre Albert Finney), na montagem cuidadosa que revisita o mesmo acontecimento sob diferenciados pontos-de-vista (recurso usado com o amadurecimento que lhe torna absolutamente necessário), é digno de alguém que não só tem o domínio cênico completo daquilo que filma, mas a vivência de oito décadas para dar sustentação e robustez dignas de um roteiro que as mereça (do estreante Kelly Masterson).

A sua formação teatral lhe permitiu construir uma obra pautada sobretudo pela força do diálogo, das expressões, onde absorvia o máximo de dramaticidade que lhe era possível. Em 12 Homens e Uma Sentença, realizou um dos filmes mais importantes sobre o poder do convencimento, da argumentação – sem sequer sair de uma sala de júri, durante quase duas horas. O que nos fazia vislumbrar o mundo exterior era Henry Fonda, ator que com sua expressão serena, tranqüila, questionou a decisão de se condenar uma criança à morte, através de falas ditas com tanta riqueza de detalhes, de maneira tão sensível e orgânica, que era praticamente impossível não reconstituir na mente, naquele momento, a cena do crime. Era o poder imenso da atuação e da palavra como maneira de nos transportar para outro campo imagético, sem, no entanto, redundar de forma alguma em um único fotograma que banalizasse a descrição.

Fonda ali praticamente personificava Lumet como diretor: confiava no poder do seu argumento, engenhoso, equilibrado, forte, vivo – mas sem nunca chamar atenção para si. Meus sinceros parabéns ao grande Sidney Lumet, e que venham ainda muitas obras fundamentais como essas que possam nos marcar pelas palavras, pelas expressões e pela autenticidade.


sábado, 7 de junho de 2008

Imersão e referência em Kubrick e Herzog


Impressionante como alguns cineastas têm a capacidade quase que sobrenatural de desprover sua imagem de qualquer atributo referencial e transportá-la a um universo particular onde fica em constante estado de sublimação e imersão. Kubrick foi assim, especialmente em 2001 e Barry Lyndon. Claro, tínhamos as "referências": o deserto e o espaço, e a Inglaterra do século XVIII, respectivamente. Mas elas se perdem, em determinados momentos de cada obra, para dar lugar ao completo estado imersão pela qual, a essa altura, nós espectadores já fomos completamente tomados. Perdemos a capacidade de construir associações costumeiras entre lugares, pessoas ou estados de espírito, quando normalmente nos expomos à imagem cinematográfica. Isso me veio quando vi, em seguida, três obras seminais de Werner Herzog (e de todo o Cinema): Aguirre - A Cólera dos deuses; Nosferatu - O Vampiro da Noite e Fitzcarraldo. Como em Kubrick, são obras que levam o espectador a outro nível de percepção audiovisual: quando nos deparamos com um barco a vapor de 300 toneladas sendo içado morro acima, na Amazônia peruana (taí outra referência que rapidamente dá lugar ao "imersivo"), sentimos que aquilo ultrapassa qualquer noção pré-estabelecida do que é preparar, filmar ou mesmo, "receber" uma imagem como aquela. Engraçado que o próprio Herzog, gênio que é, declara num dos documentários que acompanham o DVD de Aguirre que a nossa percepção do filme não pode ser afetada pelos aspectos extrínsecos do mesmo: se levássemos em conta todo o trabalho hercúleo de elaborar uma cena como a descrita, ou mesmo os constantes e intensos conflitos de Klaus Kinski (ator com talento maior que o mundo) com o diretor e a equipe, nossa visão daquilo que presenciamos na tela seria outra; em outras palavras, Herzog diz que o filme tem de se bastar como filme, como o resultado da conjunção imagem-som, e tirar daí sua força. Mas é impossível. O que Herzog, assim como Kubrick, nos causa, é aquela sensação de estar preso ao filme, assim como ao seu histórico, e ao fascínio da descoberta de todo seu processo de produção e formação. Enfim, os filmes de ambos, ao privilegiarem o imersivo em detrimento do referencial, se tornam, paradoxalmente, referências artísticas atemporais.